domingo, 22 de março de 2009

O bar dos muito machos


Essa crônica deliciosa é do velho e bom poeta Amaral. Vale a pena apreciar.


O Bar do Caldinho parece que ainda funciona na esquina de Estância com Arauá. Criado para satisfazer aos universitários itabaianenses residentes em Aracaju e saudosos da sua Esparta querida, servia tostesterona ao molho pardo, carneiro com inhaca de bode, tripa de porco assada - ainda com o cheirinho da natureza. A cerveja se abria no dente. Garçom pegava-se pelos fundilhos. E cuspia-se muito.
Tirando o exagero literário - para não levar muito tempo introduzindo o lugar - era ali o bar dos muito machos. Dia de futebol lotava de torcedores a xingar a mãe do juiz, a refazer os 90 minutos da peleja aos berros: – Não, o “fi” do cabrunco vinha bem, até que se enganchou num pênalti! E tome narração em cento e vinte decibéis, na goela, para delírio da patuléia. Desde as mesas mais disputadas, situadas na calçada até a ultima que ninguém queria - no fedor do WC - uma zoada infernal de paixões exasperadas: gritava-se pelo time, pelo zagueiro, pela euforia da vitória, pelo simples prazer de provocar arruaça. Não preciso reproduzir aqui uma confraria de machos discutindo futebol com o incentivo da cerveja e da rabada com farinha.
Mas, se eu quisesse um lugar onde a emoção era dominante e autêntica, seria lá - convenceram-me os amigos. Fui. Afinal, um tira-gosto de Fato (Fato é uma trouxinha de tripa nadando em gorduroso caldo) teve sempre o poder me engambelar, de me conduzir a qualquer cilada. Quem já o comeu me dará razão.
Chegamos com esmerada educação, como era mistér à turma de jovens intelectuais que eu freqüentava. Por sugestão de alguém menos engajado, deixamos em casa o “Rinoceronte” de Ionesco, os tomos de Prust, as intelectualidades de Borges, as invenções de Joyce (que Deus me livre dele ainda hoje), um livro interminável, pesadão, Ulysses ainda agora fundeado em minhas ribanceiras, mas já sem merecer tantos cuidados. Tunco!
Andávamos então, assim, sobraçando a quintessência da cultura universal e experimentando mesas de bar que nos conjuminassem, pois que nos acreditávamos árbitros da inteligência nas ruas caretas de Aracaju. Fui, digamos, instado a pesquisar as primitivas emoções da natureza humana no Bar do Caldinho. E como nunca fui mofino, acabei cooptando a macheza exarcebada e a babel de emoções nos cercavam.
Eu, que nunca soube ser Sergipe nem Confiança, assentia azoado: - E é? E esse beque tem quantos anos? Moreno, sarará? Era o que, minimamente, me interessava. Poeta de silêncios Bachianos – ocupava-me em baixar até a mesa uma costela de porco, uma tripa de bode, aguardando apreensivo o tapona varonil nas costas que me faria vomitar o bolo macrobiótico deglutido ontem, e que, nas atuais circunstâncias, me enjoava o estômago. O que fazia ali um comedor ideológico de parcas proteínas? Grande babaca!
Acabou que foi “a glória”! Saí bêbado de matar de lenço, cantando “Dona Deusa do Reisado” e sobraçado por sobacos terríveis. Declarei, em discurso interminável, o meu eterno amor pelo time serrano, o glorioso Itabaiana: o time mais macho de todos, segundo me convenceram os itabaianenses. E por obra da doidice generalizada, no lusco-fusco da cachaça, consegui beijar a testa de um garçom shakespereano com cara de sariguê que andava se oferecendo muito por ali, com trejeitos de Yago - o traidor de Otelo. Pena que não deu em nada!
Voltei lá, mas ai já é outro filme.

Amaral Cavalcante março/2009

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