terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Desalento


Fiz foi bem não botar fio do cabrunco nenhum no mundo. Repare o fio de Sandoval. Menino teve de tudo o que queria. Pasta de dente das boas, pente fino de osso, roupa branca de escola e até carrinho de rolimão. E veja no que deu. Eu mesmo não tive quase nada disso quando era guri. Ralava era muito. Graças a Deus. Não pisava no calo de seu ninguém, e só pegava no que era meu. Nem precisava recomendar.
Agora fico vendo esse menino de Sandoval. Coitado. Aliás, coitado dos dois. Um porque é frouxo outro porque é safado. Quem já seu viu acarinhar tanto um fio e depois receber tapa na cara. Foi isso o que povo andou dizendo aqui na rua. Aquele menino, todo metido, se misturou com gente que não presta e deu no que deu. Vive atolado num tal de crack e até a pobre da mãe quer matar. Pelo menos de preocupação. Arrepare, se eu posso com isso.
Sei não. Deve de ser duro pra um pai e uma mãe acompanhar um troço desses. Por isso acho que fiz foi bem não botar fio do cabrunco nenhum no mundo Mimaram demais o capetinha, quem sabe. Agora agüente. A família está quase destruída. Um desalento. Ontem mesmo Arlete, a irmã mais nova, disse que não agüentava mais. Os tios não querem nem saber. É um tal de desaparecer coisa de dentro de casa. Sei não. Só sei que esse crack é uma desgrama.
A propósito, você viu no jornal de hoje. A polícia matou aquele rapaz que de vez em quando andava com o fio de Sandoval. Também pudera. Dizem que o cara vendia drogas pra criança, até. Mas o mundo vai ficar bem melhor sem ele. O problema agora é dar providência pros fio dos outros. Quase ninguém está querendo encarar isso, mas também pouca gente está descruzando os braços. E enquanto isso, muita gente boa vai perdendo a guerra para as drogas. É uma peste mesmo.

Gilson Sousa

4 comentários:

  1. Eu que diga....Vc acredita que ontem mesma perdi um paquera por causa disso,fiquei sem dá umasinha por causa de um conhecido que arrumou uma confusão com um cliente de um conhecido barzinho que frequento, tive que intervir na confusão e quando voltei o FC já tinha ido embora...é de lascar este crak viu.....

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  2. A diferença entre o guri do Buarque e o guri do crack é que o primeiro levava "presentes" para a mãe; o último leva da mãe para entregar aos traficantes - e geralmente acaba entregando o que de mais precioso uma mãe pode ter. Muito legal o texto, Gilson. Bela linguagem!

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  3. Caro Gilson,
    Vejo que a poesia, finalmente, lhe conquistou.
    Seja bem vindo ao opiário dela, à hipnótica serviência que ela exige, ao labirinto cipoal das palavras amorosas.
    Aqui falo eu, uma apaixonada presa no harém dela, recusado por mil e uma noites ao conluio confortável dos seus travesseiros.
    Vejo você chegando muito mais atento à elegância do texto e às palavras sinceras. À veracidade que muitos de nós, devedores de reverências formais e rapapés estilísticos, contivemos.
    Vejo que a poesia não nos torna excepcionais, nem nos exclui do chão a levitar fantástica, nem quer de nós mais que um fio de veracidade e magia. Convenhamos: fica a palavra a serviço da emoção verdadeira e o que estiver além disso, seja apedrejado.
    Tanja a lira do amor. Nós ouviremos.

    Amaral Cavalcante- feverreiro/2010

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  4. Mestre Amaral falou tá falado. Obrigado pela embriaguez da palavra. Obrigado pela solidez da idéia.

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