sexta-feira, 17 de abril de 2009

Saudade dos cadernos culturais de Aracaju


Gilson Sousa

Que falta faz um bom suplemento ou caderno cultural nesta cidade cheia de respeitáveis literatos. Há anos Aracaju deixou de contar com o privilégio de possuir uma dessas publicações que servem de desaguadouro da produção em prosa e versos de centenas de pessoas muito ligadas às palavras. Sendo assim, é necessário evocar aqui todos os méritos a dois grandes empreendedores culturais que um dia deram esta oportunidade a tantas e tantos que burilavam na inspiração com a certeza de que poderiam expor ao leitor sua constante produção textual. Um viva bem entusiasmado para José Abud e Célio Nunes.
Abud, durante quase toda a década de 1980, dividiu sua tarefa de médico com a de editor do ArteLiteratura, caderno publicado aos domingos na extinta Gazeta de Sergipe. Era feito de forma artesanal, mas recheado de poemas, contos, ilustrações, ensaios e outros textos que deliciavam os leitores assíduos do suplemento. Naquelas páginas em preto e branco, nomes desconhecidos do público e outros já consagrados na literatura local desfilavam sua arte. A publicação, que nem de longe se preocupava com a questão comercial, era exclusivamente dedicada à literatura local.
Pelas centenas de edições do ArteLiteratura passaram nomes como
Jaime Norberto da Silva, Mauricio Santos Oliveira, Dílson Ramos, Araripe Coutinho, José Carlos Torres, Jonas Santana Filho, Roberto Mozart, Núbia Marques, Ofenísia Freire, Antônio Alvino Argollo, Aderbal Bastos Barroso, Eugênia Freire, Emmanuel Franco, Eunaldo Costa, Sônia Barreto, Santo Souza, Nairson Marinho Souza, Rosivaldo Nascimento, Lídia Dantas, Jeová Santana e até eu próprio, quando comecei a revelar ao mundo alguns poemas de iniciante. Outros tantos nomes, devidamente tratados com respeito por José Abud, figuravam com freqüência no jornal que deixou de existir ainda no final de 1988.
Em novembro de 1990 uma atitude corajosa do jornalista Célio Nunes, então diretor geral do extinto Jornal da Manhã, hoje Correio de Sergipe, trouxe de volta a alegria dos literatos até então de luto. Naquele mês foi publicado o primeiro número do suplemento cultural Arte & Palavra. Muito mais que uma preciosidade, aquilo era uma necessidade sem dimensão para os poetas, contistas e demais escritores que habitavam em Sergipe. E já na primeira página os editores davam o recado: “A nossa tentativa não deixa de ser audaciosa e arriscada, sobretudo por estarmos numa terra onde, em termos culturais, mesmo se plantando, nem sempre dá. Que o tempo não nos seja breve”.
Recado dado, o suplemento seguiu adiante. O primeiro Conselho Editorial foi formado pelo professor e contista Antônio Carlos Viana na presidência, tendo ainda Jeová Santana, Ana Valença, Paulo Afonso Cardoso, o próprio Célio Nunes, contista de mão cheia, e este jovem escriba no papel de aprendiz. O Arte & Palavra não tinha a pretensão de substituir o ArteLiteratura de José Abud, mas sim oferecer aos escritores daqui e até de fora do Estado um espaço privilegiado para divulgação de sua obra escrita.
Textos de Iara Vieira, Jackson da Silva Lima, Wilton James, Gizelda Morais, Juraci Costa de Santana, Luiz Eduardo Menezes de Oliveira, Djanira Pio, Paulo Fernando Teles de Morais, Luiz Antônio Barreto, Ilma Fontes, Manoel Cardoso, Hunald de Alencar, Antônio Passos de Souza, Léo Mittaraquis, Jane Ribeiro Lisboa, eram vistos com freqüência no jornal. Além destes, os acadêmicos Sonia Maria Machado, Antônio Ponciano Bezerra, Francisco José Alves dos Santos, Simone Menezes Costa de Santana, Maria Matilde dos Santos, entre outros, publicavam seus ensaios literários nas páginas do Arte & Palavra que também republicava textos clássicos da literatura sergipana de Tobias Barreto, Silvio Romero e outros.
Este suplemento resistiu por pouco mais de dois anos. Aliás, é bom frisar que a resistência era mesmo de Célio Nunes, que à época enfrentava a ganância absurda da família de João Alves Filho, proprietária do jornal, pela obtenção de lucros com o caderno. “Os dividendos são culturais”, respondia sempre o velho Célio, para desespero de dona Maria do Carmo, responsável direta pela morte do espaço. Daí então, caro leitor, resta-me confessar a saudade de tais publicações e tirar mais uma vez o chapéu para figuras imprescindíveis como José Abud e Célio Nunes.

PS: Texto originalmente publicado na Foha da Praia.

3 comentários:

  1. Muito oportuna a republicação deste seu artigo, no qual presta uma justa homenagem a Célio Nunes e Dr. Abud, dois intelectuais, que juntamente com os demais citados, contribuiram e contribuem para o engrandecimento da nossa cultura. Lembro também que a saudosa "Gazeta de Sergipe", editou por um tempo a revista cultural "Momento". Hoje, até os cadernos de cultura dos grandes jornais do sul, estão minguando. Mas não há de ser nada, publiquemos nos blogs. Aproveito para lhe informar, que tenho uma postagem em homenagem a "Gazeta de Sergipe", no blog [www.lygiaprudente.blogspot.com], marcador: memória. Um abraço, Armando.

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  2. Caro Armando, obrigado pelo comentário. Fique à vontade para colaborar com o nosso blog também. Abs.

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  3. Poxa Gilson, depois de tantos anos rever este artigo me trouxe uma emoção muito grande. E tambem muita saudade da terrinha"!!!!

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