quarta-feira, 24 de março de 2010

Notícia não é espetáculo. Ou não deveria ser


Pouca gente neste país com acesso a um aparelho de televisão deixa de ser bombardeada diariamente com informações corriqueiras e minuciosas sobre o caso Isabella, aquele em que uma criança de 5 anos foi jogada pela janela de um apartamento, supostamente pelos pais. O caso aconteceu no dia 29 de março de 2008, em São Paulo, mas repercute até hoje. A vítima, Isabella Nardoni, foi encontrada morta no jardim do prédio em que moravam Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá – pai e madrasta da menina.
Durante meses seguidos, o caso tomou conta do noticiário nacional. Pesquisas especializadas apontam que em número de veiculação nos diversos meios de comunicação brasileiros, só perdeu para a morte do piloto de Fórmula 1, Airton Senna, ocorrida em maio de 1994. Hoje, exatamente dois anos após o crime da menina, eis que a espetacularização da notícia envolvendo o fato volta a tomar conta dos espaços na mídia por causa do julgamento dos dois acusados, justamente o pai e a madrasta que permanecem presos desde maio de 2008.
É bom lembrar que crimes bárbaros, práticas absurdas e até pequenas catástrofes acontecem com freqüência no Brasil. Somos um País de dimensões continentais e tecnologia considerável na área televisiva, e por isso poderíamos muito bem espalhar o foco da informação de maneira mais abrangente. Não faz bem à democracia da informação direcionar boa parte de um noticiário dito nacional, apenas a um fato isolado. Muita coisa de bom e de ruim acontece todos os dias neste País e a população tem o direito de ficar sabendo.
No caso do julgamento em questão, que acontecerá durante cinco dias em São Paulo, 10% a 30% do tempo dos principais telejornais nacionais estão sendo ocupados pelo fato. Nos meios impressos, páginas inteiras são dedicadas às notícias. Já nos portais de informações da internet, galerias de fotos, slides, infográficos, vídeos e textos mostrando a cronologia do caso ganham destaque em quase todos. E isso está correto? A quem interessa essa manipulação da notícia? Certamente não é ao povo brasileiro, que tem muito mais com o que se preocupar no dia-a-dia.
Portanto, enquanto os poderosos veículos de comunicação deste país continuarem fazendo da notícia um espetáculo, como no caso Isabella, muita coisa na política, educação, cultura, ciência, deixará de ser informada ao grande público. Até porque o tempo dos telejornais é limitadíssimo, necessitando de uma melhor distribuição de pautas. E somente assim, quem sabe, nossa gente alcance um nível de conhecimento e conscientização mais adequados a uma sociedade civilizada.

Gilson Sousa

3 comentários:

  1. Boa, Gilson! Parabéns pelo post... Muito boa a análise da nossa mídia!

    Abs

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  2. Estava a comentar com um colega algo sobre isso. Realmente é impressionante como a mídia dá o destaque, ví no jornal hoje (da Globo), um comentário sobre a camisa do Alexandre no dia do crime... até aqui em algumas rodas de conversas, se comentam sobre isso, mas pergunte se alguém fala sobre a instalação da Usina nuclear Angra IV em sergipe... Ontem na sala de aula, de uma turma de uns 25 alunos, o professor perguntou se alguém estava acompanhando os noticiários sobre isso e só levantou a mão, eu e outro colega, incrível! e olhe que é sala de aula de uma faculdade... algumas pessoas só querem saber do Big Brother... infelizmente!

    Isaac

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  3. Vampirização, eis como vejo esse desvio de conduta da midia (principalmente a televisão), no caso da menina Isabela. Como a ruminação desse pavoroso caso atende a curiosidade mórbida de grande parte do público, é garantia de audiência, aí entra em cena outros fatores, como a comodidade, a preguiça e a indigência mental de alguns dos nossos valorosos companheiros das redações, associados a ganância e estupidez dos executivos e dos patrões.

    Quantos casos como esse acontecem no Brasil, existe ocorrência mais absurda e desumana do que o caso do menino que teve o corpo entupido de agulhas??? Os governos, por estupidez, por vaidade, por espírito de quadrilha, por omissão, etc e etc, matam incontáveis brasileiros diariamente, por se negar a criar e manter uma política de assistência médica a população. Porém, os governos são grandes anunciantes.

    Paulo Cardoso

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