sexta-feira, 31 de julho de 2009

De Bar em Bar: O Panela da Arte


A Atalaia era um matagal. Depois da Boate Tio Zé, acabavam-se os caminhos respeitáveis. Além, só os guauçás conviviam por entre trilhas abertas por pescadores afoitos e amantes em busca de esconderijo para o bem-bom do amor sem testemunhas. Era o “Motel das Estrelas”, providencial abrigo para fodelanças baratas, justificadas até por um delegado atento a essas necessidades que instituiu o conceito de “território do amor” àqueles lados da praia, e, portanto, garantia o amor municipal nas areias da Atalaia sem muitos sustos. Tornou-se fácil e maravilhoso tanger uma conquista amorosa para o meio do matagal e, sob o teto de estrelas e a apregoada garantia policial, gozar, até que a madrugada dissesse basta!

Foi então que Ricardo Nunes abriu nas lonjuras daquele matagal, o bar “Panela da Arte”. Ficava a não sei quantos metros da fronteira permitida, lá dentro do maravilhoso matagal. Só ia lá quem tinha negócio. O “Panela” foi o lugar onde curti o que nos tornava a juventude de então: muita maconha e de vez em quando um “Sunchine” – gota lisérgica transportada das ilhas britânicas para cá. Adorávamos ficar de bobeira, rindo sem saber porque das florezinhas da estrada, da felicidade que nos vinha à cores – o mundo belo percebido além da realidade, a alegria de compartilhar sensações universais.

O “Panela” era um palco. Consistia em dezenas de almofadas no chão e lâmpadas estreboscópicas de luz negra, onde nos maravilhava sentir o universo escorregando entre os dedos e onde nos era permitido viajar aos territórios psicodélicos que nos interessavam. Grandes viagens. Lá se acenderam fogueiras à melhor arte que acontecia no mundo: das artes plásticas à literatura, do balé russo às invenções de Alvin Ailey, e, finalmente, à liberação da dança em filmes como “Hair” e “Jesus Cristo Superstar” exibidos pelo querido Cézar Macieira para deleite geral.

Na hora de pagar a conta, era assim: cada um avaliava a sua. Servir-se, também era liberado: tinha almôndegas fritas, sucos de maracujá e graviola, e iscas de fígado. Mas o maluco que as quisesse que fosse para cozinha, preparar o seu repasto. Ricardo estaria por ali, talvez nas praças de Amsterdam - um dono de bar sem conta para apresentar. Nunca um bar tão maluco mereceu tanto a nossa memória como o “Panela da Arte”.

É isso ai, bicho!

Amaral Cavalcante – julho/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário