segunda-feira, 22 de junho de 2009

"Brancos" pobres, coitados

Fernando Conceição, jornalista, professor da Ufba, pesquisador-visitante da Freie
Universität Berlim (Alemanha)


Karl Marx não esperava por esta. O filósofo da luta de classes como motor da história e eleitor do proletariado como a classe libertadora da humanidade está sendo colocado no bolso por uma parte de brasileiros. São intelectuais, politólogos, jornalistas, comentaristas, legisladores e palpiteiros entendidos no assunto.
Trata-se de uma nova categoria ou classe que nos últimos anos no Brasil resolveu sair em defesa dos pobres. Não de todos os pobres genericamente, mas de um tipo especial de pobre que, tudo indica, foi recentemente descoberto: os "brancos" pobres.
Esse sentimento robinwoodiano é curioso, original e novíssimo. Vem somar-se a um outro: a dos solidários com a melhoria do "ensino fundamental" como condição sine qua non, exclusiva até, para a superação de nossas históricas desigualdades. A raiz desses bons sentimentos é facilmente identificável. Nasceu em reação à aplicação no Brasil de políticas compensatórias de ação afirmativa. Por focarem prioritária – mas não exclusivamente, acentue-se – nos estratos sociais formados por negros e indígenas, a nova classe é contra tais políticas. Antes de se falar de cotas e outras medidas reparatórias das injustiças do Estado brasileiro para com os seus afrodescendentes de pele escura, nunca se viu tanta gente congregada em defesa dos pobres. Desde que brancos. Ou do ensino público.
Existiu um país que por quase 400 anos consecutivos trouxe quase 4 milhões de africanos escravizados para cá. Transformados em mercadoria, em objeto de uso e abuso de todas as taras e afazeres, teriam vindo apreciar nossas belas paisagens? As terras, as propriedades, a riqueza, a liberdade, o poder eram atribuições privativas de senhores, sempre brancos. Um dia se viu que a escravidão já não prestava aos propósitos econômicos dos capitalistas industriais.
Que tal pôr fim a isso? Beleza. Criam-se compensações para os senhores escravocratas não saírem no prejuízo. Estes foram indenizados compensatoriamente pelo fim de sua maior fonte de renda. E mantiveram o controle dos poderes. Inclusive do sistema escolar. Quanto aos africanos e seus descendentes, a rua da amargura e as sevícias estatais até hoje em voga.
Cento e dez anos depois da abolição da escravatura, a sociedade brasileira é chamada a confrontar-se com um dos seus cancros. E parte dela reage com falsa indignação. Não pode este rico País permanecer desconhecendo que tem uma dívida histórica e não paga com essa parte do seu povo. Diferentemente de qualquer outro grupo social, incluindo os brancos pobres, somente negros vivenciaram o horror da escravidão de forma sistemática por quatro séculos.
Não se nega, num país capitalista, as desigualdades geradas pela natureza do modelo econômico adotado, que atingem muitos independentemente da cor da pele. Mas misturar alhos com bugalhos nada mais significa que ato de má-fé.

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